domingo, junho 18, 2006

por ti...

Ao descrever o passado, eu e todos atraiçoamo-lo revelando-o apenas com a visão do presente.
O silêncio é uma infiltração que me seduz na escuridão lírica e medonha deste quarto. Acendo mais um cigarro para me contemplar, com esse gesto, a camisa sobre a cadeira ganha um volúme impossível, mas fico mais calmo porque o silêncio reina e ele receb tudo. Ele provoca em mim, que estou encostado na cama com o lençol a tapar-me as pernas, e com um cigarro em cinza que ameaça suicidar-se no luto negro do meu lençol, a loucura... A loucura. Ai! a loucura, a loucura e o silêncio e outra vez a loucura. A loucura é uma certa maneira de fazer um gesto e o silêncio é branco e claro como a noite.

Sem nada por onde passar, quero ter espaço pela frente para poder recuar. Tenho o copo de uísque a meu lado, ele, o cigarro e os meus medos fazem-me companhia nesta noite em que o sono teima em não vir e a lua brilha lá fora entrando pela janela, não me deixando esquecer do teu silêncio. Sinto em mim um pesado sentido de imponderabilidade. Não sou capaz de tocar-me, nem em mim, nem nos objectos. Não toco nos objectos imediatos porque a harmonia queima e por mais leve que seja o copo d uísque ou o cinzeiro, são loucos os objectos...

Já nada me oferece garantia. A culpa é tua, que dormes na minha insónia.

A noite cresce no quarto...
Para mim, fala-se demais e perde-se a oportunidade de dizer coisas muitas vezes importantes no meio de um silêncio que morre na excitação da noite.

Já fomos, juntos, Rei e Rainha de uma manhã de êxtase.

Por vezes dou comigo repetindo insaciavelmente, no meio deste silêncio louco, a mesma palavra e o que digo, pensa cada coisa.
Ainda é cedo ou, para melhor saber-se, ainda é tarde...
Então, regresso à noite que me é devida num mundo onde só no meu quarto, sou louco por ti.

J.M. 1998

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